(Rio Paraguaçu) Foto Alex Silva |
"Enquanto os produtores parecem só pensar no aumento da sua própria área, não vêem que a perda dos serviços coletivos vai mais cedo ou mais tarde levar à queda de produtividade também. Seria um baita tiro no pé; tragédia dos comuns clássica." |
Por que esta questão parece mais atual que nunca no Brasil?
Os “commons” da nossa história são a nossa água (nossos rios, lagos e mares), os ambientes críticos como margens dos rios e encostas florestadas, a nossa atmosfera, a nossa biodiversidade. Tudo isso são recursos compartilhados que geram serviços ambientais para todos. A água é essencial para tudo, claro, inclusive para a própria agricultura. Proteger as margens dos rios protege sua qualidade, e impede seu açoreamento e degradação. As florestas protegem os solos contra a erosão, e nos morros impedem tragédias como as que tantas vezes temos visto em encostas desmatadas e irresponsavelmente ocupadas. As florestas em geral melhoram a qualidade do ar e os microclimas locais e regionais. Além disso preservam grande parte do que ainda resta de biodiversidade e portanto os serviços que ela presta, incluindo a polinização de muitas culturas agrícolas. Por último mas não menos importante, os habitats naturais ajudam a mitigar as mudanças climáticas, que entre outras coisas obviamente podem ter efeitos desastrosos sobre a produção agrícola.
Toda vez que se protege um “common” assim através de uma Área de Preservação Permanente (no caso do Código Florestal) ou de uma Unidade de Conservação, o que está sendo feito é deixar a área em questão fora da lógica desastrosa da tragédia dos comuns. Por outro lado, enfraquecer o código ou permitir exploração de recursos em uma reserva significa entregar mais e mais áreas para esta situação. É difícil imaginar que um agricultor que seja autorizado a plantar até a beira do rio vá dar tanto valor à manutenção dos serviços ambientais coletivos quanto ele dará para o aumento do seu lucro. Isso equivale a mergulhar de cabeça na tragédia dos comuns, e é uma receita certa para o desastre. Não só ambiental, mas econômico também. É óbvio que muito da alta produtividade agrícola que temos é possível justamente porque temos serviços ambientais razoavelmente protegidos. Enquanto os produtores parecem só pensar no aumento da sua própria área, não vêem que a perda dos serviços coletivos vai mais cedo ou mais tarde levar à queda de produtividade também. Seria um baita tiro no pé; tragédia dos comuns clássica.
E quanto a descentralizar o licenciamento ambiental, passando-o de um órgão federal para órgãos estaduais ou municipais? Os problemas trazidos por isso são um pouco mais sutis, mas podem ser facilmente entendidos se pensarmos no que foi falado acima sobre o efeito da escala sobre a intensidade da tragédia dos comuns. Serviços ambientais frequentemente são difusos, em grandes escalas, e não respeitam divisas estaduais ou municipais. É mais fácil perceber sua importância quando pensamos no todo – no país, ou mesmo do nosso planeta. Já os benefícios individualizados são mais fáceis de perceber na escala local, por cada um dos interessados. Por isso, numa escala estadual ou municipal os órgãos ambientais estariam muito mais expostos às pressões locais para licenciar empreendimentos desastrosos, enquanto seriam menos capazes de perceber os efeitos prejudiciais de tais decisões. É difícil acreditar, aliás, que isso não seja exatamente o que está por trás deste tipo de proposta. Mais uma vez, os prejuízos seriam coletivizados, seriam de todos nós.
Modernidade ou retrocesso?
Os “commons” da nossa história são a nossa água (nossos rios, lagos e mares), os ambientes críticos como margens dos rios e encostas florestadas, a nossa atmosfera, a nossa biodiversidade. Tudo isso são recursos compartilhados que geram serviços ambientais para todos. A água é essencial para tudo, claro, inclusive para a própria agricultura. Proteger as margens dos rios protege sua qualidade, e impede seu açoreamento e degradação. As florestas protegem os solos contra a erosão, e nos morros impedem tragédias como as que tantas vezes temos visto em encostas desmatadas e irresponsavelmente ocupadas. As florestas em geral melhoram a qualidade do ar e os microclimas locais e regionais. Além disso preservam grande parte do que ainda resta de biodiversidade e portanto os serviços que ela presta, incluindo a polinização de muitas culturas agrícolas. Por último mas não menos importante, os habitats naturais ajudam a mitigar as mudanças climáticas, que entre outras coisas obviamente podem ter efeitos desastrosos sobre a produção agrícola.
Toda vez que se protege um “common” assim através de uma Área de Preservação Permanente (no caso do Código Florestal) ou de uma Unidade de Conservação, o que está sendo feito é deixar a área em questão fora da lógica desastrosa da tragédia dos comuns. Por outro lado, enfraquecer o código ou permitir exploração de recursos em uma reserva significa entregar mais e mais áreas para esta situação. É difícil imaginar que um agricultor que seja autorizado a plantar até a beira do rio vá dar tanto valor à manutenção dos serviços ambientais coletivos quanto ele dará para o aumento do seu lucro. Isso equivale a mergulhar de cabeça na tragédia dos comuns, e é uma receita certa para o desastre. Não só ambiental, mas econômico também. É óbvio que muito da alta produtividade agrícola que temos é possível justamente porque temos serviços ambientais razoavelmente protegidos. Enquanto os produtores parecem só pensar no aumento da sua própria área, não vêem que a perda dos serviços coletivos vai mais cedo ou mais tarde levar à queda de produtividade também. Seria um baita tiro no pé; tragédia dos comuns clássica.
E quanto a descentralizar o licenciamento ambiental, passando-o de um órgão federal para órgãos estaduais ou municipais? Os problemas trazidos por isso são um pouco mais sutis, mas podem ser facilmente entendidos se pensarmos no que foi falado acima sobre o efeito da escala sobre a intensidade da tragédia dos comuns. Serviços ambientais frequentemente são difusos, em grandes escalas, e não respeitam divisas estaduais ou municipais. É mais fácil perceber sua importância quando pensamos no todo – no país, ou mesmo do nosso planeta. Já os benefícios individualizados são mais fáceis de perceber na escala local, por cada um dos interessados. Por isso, numa escala estadual ou municipal os órgãos ambientais estariam muito mais expostos às pressões locais para licenciar empreendimentos desastrosos, enquanto seriam menos capazes de perceber os efeitos prejudiciais de tais decisões. É difícil acreditar, aliás, que isso não seja exatamente o que está por trás deste tipo de proposta. Mais uma vez, os prejuízos seriam coletivizados, seriam de todos nós.
Modernidade ou retrocesso?
"...o que estamos vendo nada mais é do que a velha pressão de alguns para se apossarem do que é de todos. Isso não acaba nada bem, até Aristóteles já sabia. " |
O que está acontecendo, então, esta sanha de ataques à legislação ambiental, pode até ter algo de novo, mas não tem nada de moderno. O que há de novo, no fundo, é apenas a intensidade da pressão. Com uma população maior do que há décadas, e uma economia muito maior e ainda desperdiçadora, a pressão sobre os recursos naturais vêm crescendo imensamente no Brasil nos últimos anos. Fora isso, não se iluda: o que estamos vendo nada mais é do que a velha pressão de alguns para se apossarem do que é de todos. Isso não acaba nada bem, até Aristóteles já sabia. Mas nós nem sempre percebemos, em parte porque no Brasil existe aquela triste cultura de que “o que é de todo mundo não é de ninguém”. É preciso parar com isso. Isso já fez mal demais ao nosso país, e não deixemos que faça mais. O que é de todo mundo é de cada um de nós. As APPs e os Parques Nacionais são nossos. São meus, são seus e de todos nós, e precisamos cada vez mais deles.
É claro que abraçar a tragédia dos comuns é apenas um dos aspectos das mudanças propostas para a legislação ambiental brasileira. Há outros aspectos, mas é preciso ter muita clareza do que, no todo, essas propostas representam. Como os grandes ecólogos brasileiros Thomas Lewinsohn (da UNICAMP) e Jean Paul Metzger (da USP) perguntaram no título de um artigo recente na Science: “Legislação ambiental brasileira: a toda velocidade em marcha a ré?”. Esta é a questão com que nos defrontamos hoje. Estamos diante de uma imensa tentativa de retrocesso.
Hoje, o Brasil parece ser visto pelo mundo como o país da oportunidade. É interessante pensar por que. O bom momento econômico do nosso país se deve fundamentalmente ao bônus demográfico (ver “Nunca é por causa da demografia”, aqui em O Eco), mas também tem ajudado a alta demanda internacional por commodities e matérias primas cada vez mais escassas e que ainda temos aqui. Não se iluda, estamos em um momento bom não por causa de nossa tecnologia ou inovação, mas sim porque fomos capazes de conservar nossos recursos naturais melhor do que as economias envelhecidas e exauridas dos países “desenvolvidos”. Não faz mais sentido querermos reproduzir a trajetória dos europeus, e nos “desenvolvermos” (ênfase nas aspas) à custa da destruição dos nossos recursos naturais. Nós estamos bem porque ainda temos o que eles não tem mais. Modernidade hoje é ter um país com um meio ambiente tão equilibrado quanto possível, e que invista em tecnologia capaz de gerar qualidade de vida sem destruir, porque são essas coisas que o mundo cada vez mais desesperadamente está procurando. Não matemos nossa galinha dos ovos de ouro. Mudar a legislação para diminuir a proteção aos nossos serviços ambientais não é ser moderno – é perder o trem da história.
É claro que abraçar a tragédia dos comuns é apenas um dos aspectos das mudanças propostas para a legislação ambiental brasileira. Há outros aspectos, mas é preciso ter muita clareza do que, no todo, essas propostas representam. Como os grandes ecólogos brasileiros Thomas Lewinsohn (da UNICAMP) e Jean Paul Metzger (da USP) perguntaram no título de um artigo recente na Science: “Legislação ambiental brasileira: a toda velocidade em marcha a ré?”. Esta é a questão com que nos defrontamos hoje. Estamos diante de uma imensa tentativa de retrocesso.
Hoje, o Brasil parece ser visto pelo mundo como o país da oportunidade. É interessante pensar por que. O bom momento econômico do nosso país se deve fundamentalmente ao bônus demográfico (ver “Nunca é por causa da demografia”, aqui em O Eco), mas também tem ajudado a alta demanda internacional por commodities e matérias primas cada vez mais escassas e que ainda temos aqui. Não se iluda, estamos em um momento bom não por causa de nossa tecnologia ou inovação, mas sim porque fomos capazes de conservar nossos recursos naturais melhor do que as economias envelhecidas e exauridas dos países “desenvolvidos”. Não faz mais sentido querermos reproduzir a trajetória dos europeus, e nos “desenvolvermos” (ênfase nas aspas) à custa da destruição dos nossos recursos naturais. Nós estamos bem porque ainda temos o que eles não tem mais. Modernidade hoje é ter um país com um meio ambiente tão equilibrado quanto possível, e que invista em tecnologia capaz de gerar qualidade de vida sem destruir, porque são essas coisas que o mundo cada vez mais desesperadamente está procurando. Não matemos nossa galinha dos ovos de ouro. Mudar a legislação para diminuir a proteção aos nossos serviços ambientais não é ser moderno – é perder o trem da história.